Discurso de posse e agradecimento e dos demais membros afiliados da Academia Cearense de Ciências

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Geísa Mattos, Membro Afiliada da Academia Cearense de Ciências

 

 

 

Senhoras e senhores! Boa noite!

Sinto-me honrada em tomar posse na qualidade de Membro Afiliada da Academia Cearense de Ciências e agradeço ao convite do presidente, Professor Dr. Albersio Araújo Lima, para falar em nome dos novos membros afiliados, que aqui represento: o Doutor em Engenharia Civil Augusto Teixeira de Albuquerque, o Doutor em Fitopatologia, Francisco de Assis Câmara Rabelo Filho e o Doutor em Tecnologia de Alimentos, Paulo Henrique Machado de Sousa.

Temos aqui representada, neste grupo de novos Membros Afiliados, a produção da ciência do Ceará em diversas áreas.

Augusto recebeu em 2015 a concessão de patente por uma nova laje pré-moldada de concreto; fez parte de seu doutorado na Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, e foi agraciado em 2016, com o prêmio Latin American Silver Award, de inovação em educação superior, concedido pela Wharton School e QS Institute.

Câmara Filho está engajado em pesquisas sobre virologia vegetal e caracterização molecular de fungos fitopatogênicos nas mais diversas e importantes culturas do Estado do Ceará. Suas pesquisas contribuem para a obtenção de informações a respeito de patógenos que causam danos e reduzem a produtividade destas culturas.

Paulo Henrique trabalha nas áreas de processamento de produtos de origem vegetal e gastronomia, utilizando a análise sensorial como ferramenta para o desenvolvimento e acompanhamento de produtos. Ele tem dezenas de artigos publicados sobre suas pesquisas em revistas científicas.

Minhas pesquisas atuais são sobre as conexões entre os movimentos contra o racismo e a violência policial no Brasil e nos Estados Unidos. Estes estudos, iniciados desde 2015, em meu pós-doutorado na City University of New York, têm me levado a um engajamento em redes de colaboração com ativistas e pesquisadores de Universidades nos Estados Unidos e no nosso País.

Como única mulher neste grupo de ingressantes na Academia Cearense de Ciências, tive a felicidade de ser escolhida para falar em nome destes competentes pesquisadores. Sinto-me também aqui representando as mulheres cientistas neste momento em que mulheres inauguram uma nova era de cooperação e mobilização em nível mundial.

O sentimento que me toma desde que comecei a me preparar para este momento é o de responsabilidade. À medida que avançamos no caminho da ciência vamos sendo convocados a assumir responsabilidades que extrapolam em muito a idéia que fazemos no começo da vida acadêmica sobre a prática da pesquisa científica.

A descoberta de nossa vocação para a ciência emerge juntamente com a paixão, a dedicação e o compromisso ético com os nossos projetos de pesquisa. No entanto, à medida que avançamos, vamos descobrindo que nossa obrigação como cientistas é também política.

Em sala de aula como professores, nas decisões quanto à publicação de nossos trabalhos em jornais e revistas especializadas, ao assumirmos cargos de gestão na Universidade e em outras instituições de pesquisa, ao nos associarmos a outros pesquisadores, em redes nacionais e internacionais, a nossa responsabilidade cresce, e com ela a consciência de que a ação eticamente orientada é também uma ação política[1].

Se a dedicação à pesquisa foi o que nos trouxe até aqui, o que nos levará à frente é o compromisso mais amplo com a coletividade, com a manutenção e a expansão na sociedade de tudo o que torna possível fazer pesquisa no Brasil e no Ceará. O nosso engajamento é o que fará com que pesquisadores que virão depois de nós, tenham as oportunidades que nós tivemos e que a sociedade seja de fato a maior beneficiária dos resultados do que fazemos.

No momento em que ingressamos em uma instituição como a Academia Cearense de Ciências, precisamos ter profunda consciência do que representa este compromisso. Estamos entrando em uma caudalosa correnteza, da qual fizeram e fazem parte importantes cientistas e instituições que foram fundamentais para que hoje existisse a possibilidade do progresso científico no Brasil e no Ceará. Precisamos conhecer e fortalecer essa corrente, especialmente no contexto político em que vivemos, no qual as importantes conquistas de recursos para Educação, Ciência, Tecnologia & Inovação, alcançadas a duras penas e tornadas letras nas constituições federais e estaduais, hoje se encontram ameaçadas.

A Academia Cearense de Ciências, fundada há 30 anos, segue a tradição da Academia Brasileira de Ciências, que completou 100 anos no ano passado. A Academia Brasileira de Ciências foi a responsável pelo projeto que deu origem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que junto com a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES), na década de 1950, foram as primeiras e até hoje as principais instituições públicas de fomento à pesquisa no País. Também foi a partir da luta dos cientistas organizados através da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que foram criadas as fundações estaduais de amparo à pesquisa, outra importante fonte de financiamento. Muitos dos pesquisadores e professores que hoje fazem parte da Academia Cearense de Ciências estiveram engajados no esforço de criação da Funcap, no Ceará, que começou a funcionar em 1995.

Um dos engajamentos políticos, que precisamos ter hoje, diz respeito justamente à luta por mais recursos para a Ciência e a Tecnologia no nosso Estado. Levantamento feito pela pesquisadora Lilia Pinheiro, em Tese a ser brevemente defendida no nosso Programa de Doutorado, em Sociologia na UFC[2], mostra que ao longo dos anos de seu funcionamento, a Funcap recebeu somente 0,8%, em media, da receita tributária do Estado, bem distante ainda dos 2% previstos na constituição estadual. A Funcap também não dispõe até hoje de um corpo de funcionários concursados, nem de sede própria definitiva para seu funcionamento. A despeito de todos os avanços, e sua enorme contribuição para a Ciência no Estado, ainda é instável do ponto de vista orçamentário o funcionamento da nossa principal instituição de fomento à pesquisa.

Em nível federal, entretanto, a situação é ainda pior. Temos visto com muita preocupação o corte brutal de recursos para a pesquisa em nosso País, através das fundações estaduais de amparo à pesquisa. A situação é mais grave nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, que eram considerados modelos para a pesquisa no Brasil.

Em dezembro do ano passado, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo modificou a Constituição Estadual reduzindo a destinação de recursos de originais 1% para 0,89% da receita tributária do Estado para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Isso significa muito mais do que a transferência de recursos para outras finalidades. É um símbolo de um retrocesso inaceitável na política de formação de quadros qualificados pela pós-graduação no País, com fatais repercussões na pesquisa em áreas estratégicas e em políticas públicas, que vêm sendo financiadas pela Fapesp, não só em São Paulo, mas em outros estados da federação[3].

No Rio de Janeiro, a Fundação de Amparo à Pesquisa, em dois anos, cortou recursos para mais de 3.600 projetos de pesquisa. Em dezembro do ano passado, o Governo do Estado do Rio promulgou um decreto que reduz os recursos da FAPERJ, definidos constitucionalmente como 2% da arrecadação estadual, a 1,4%, o equivalente a um corte de 30% no orçamento. Hoje, a FAPERJ está com uma dívida de mais de R$ 400 milhões. São projetos aprovados que não têm recursos para serem financiados[4].

A trágica situação de crise e de descaso com a educação no nosso País atinge seriamente a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com cortes de verbas de manutenção, ausência de orçamento e o não pagamento dos salários e bolsas. Considerada uma das mais importantes universidades do país, com mais de 40 mil alunos de graduação e pós-graduação, grupos de pesquisa do mais alto nível científico e uma rede de unidades espalhadas pelo estado do Rio de Janeiro, incluindo o Hospital Universitário Pedro Ernesto e a Policlínica Piquet Carneiro, está ameaçada de fechar.

Estamos todos ligados em redes de pesquisa e de ação política, e, embora o Ceará hoje esteja em situação menos grave do que a de Estados que sempre estiveram na liderança da produção científica, nossa luta por mais recursos para a pesquisa transcende fronteiras estaduais e regionais. É o destino do nosso País que está em jogo hoje. Estão ameaçadas importantes pesquisas em áreas estratégicas para o desenvolvimento nacional. As entidades que representam os cientistas no Brasil têm chamado a atenção para a possibilidade de uma fuga dos nossos melhores cérebros, devido ao desestímulo para a pesquisa, atualmente em curso aqui.

Olhando o exemplo de outros países, vemos que mesmo com a crise, eles continuam priorizando investimentos em Ciência. Os Estados Unidos investem hoje 2,8% do seu Produto Interno Bruto; a China, 2%, e pretende chegar a 2020 com 2,5%; a União Européia tem um acordo para chegar a 2020 com 3%. E o Brasil está cortando recursos para a ciência[5].

Temos muito a fazer neste momento político do país na luta para democratizar o acesso de todos à educação e a possibilitar o estímulo ao desenvolvimento de vocações de milhares de jovens brasileiros e, particularmente cearenses, como cientistas.

Tivemos a sorte de ter famílias, hoje aqui presentes, que nos deram suportes fundamentais para nossa dedicação à pesquisa. Sem o amor que nos dedicaram nada seríamos, pois é a base de amor que recebemos de nossas famílias que nos torna seres humanos éticos. Sem nossos valiosos professores, orientadores e companheiros de trabalho que nos inspiram em nossa trajetória jamais teríamos progredido. Foi a generosidade dos que souberam nos transmitir suas experiências e compartilhar conosco aprendizados que nos fizeram seguir em frente. Somos imensamente gratos a todos vocês.

Agradecemos também profundamente à Universidade Federal do Ceará, que aqui nos acolhe, a nossa casa na pesquisa, no ensino e na extensão. Essa casa é também da ciência, afinal, só ensinamos porque fazemos pesquisa. Só estendemos nossos conhecimentos se somos capazes do diálogo com outros saberes, como ensinou Paulo Freire.

Nossa gratidão deve ser dirigida também às gerações de cientistas que nos antecederam e compreenderam a importância das lutas políticas para que o país tivesse a chance de entrar em um padrão mais elevado de civilização, hoje ainda distante do ideal.

Fomos privilegiados por termos tido as oportunidades que tivemos. Justamente por esse motivo, nossa responsabilidade, neste momento de posse como membros afiliados da Academia Cearense de Ciências, é ainda maior: somos conclamados a assumir posições e a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária, em todos os níveis e por todos os meios que pudermos. Se os tempos são mais difíceis, sejamos mais fortes. Acreditemos na esperança que vem da juventude, na força da nossa união, criemos juntos os dias melhores. Como dizia o sábio mestre Yogue P.R. Sarkar, “quando os fins são justos e nobres, o sucesso é inevitável”.

 

Muito obrigada!

 

Referências bibliográficas

Bolzani, Vanderlan. 2017. “Alteração no orçamento da Fapesp marca mais um retrocesso para o País”.Disponível no site da Academia Brasileira de Ciências. Recuperado em 25/01/2017. http://www.abc.org.br/article.php3?id_article=8323

Escobar, Herton. “Brazil ‘doomsday’ scenario”. In:Science 27 Jan 2017: Vol. 355, Issue 6323, pp. 334 DOI: 10.1126/science.355.6323.334. Disponível em http://science.sciencemag.org/content/355/6323/334?utm_campaign=toc_sci-mag_2017-01-26&et_rid=35349636&et_cid=1127258. Recuperado em 25/01/2017.

Pinheiro, Lilia. 2017. Entre o mérito, as prioridades e o carecimento. A trajetória de uma instituição de fomento científico, a Funcap. Tese de Doutorado (copião). Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal do Ceará (a ser defendida em 22 de fevereiro de 2017).

Sarkar, P.R. 1975. “Discurso em Ananda Vanii”. In: Os Pensamentos de P.R. Sarkar.  São Paulo, Ananda Marga Publicações.

Oswaldo-Cruz, Elisa & Soares, Thaís. 2017. “Cortes em ciência, tecnologia e inovação estão inviabilizando o futuro do País”. Publicada em 16/01/2017 no site da Associação Brasileira de Ciências, com dados do Estadão/blog Imagine Só, de Herton Escobar. Recuperado em 25/01/2017. http://www.abc.org.br/article.php3?id_article=8316&var_recherche=faperj

Weber, Max. 2008 (1919). “A política como vocação”. In: Ciência e Política: duas vocações. São Paulo, Editora Martin Claret (2a edição).

[1]Nesta reflexão estou inspirada no ensaio “A Política como Vocação”, célebre conferência proferida pelo sociólogo Max Weber a estudantes da Universidade de Munique, em 1919. É central ao ensaio, a defesa do que o autor define como “ética da responsabilidade”, como característica da ação política. Esta ética se caracteriza pela máxima do reconhecimento: “Essas consequências são imputáveis à minha própria ação” (Weber, 2008, p. 115).

[2]Pinheiro, Lilia. 2017. Entre o mérito, as prioridades e o carecimento. A trajetória de uma instituição de fomento científico, a Funcap. Tese de Doutorado (copião). Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Ceará (a ser defendida em 22 de fevereiro de 2017).

[3]Ver artigos importantes publicados sobre isso no site da Academia Brasileira de Ciência. Destaque para o de Vanderlan da Silva Bolzani (2017), “Alteração no orçamento da Fapesp marca mais um retrocesso para o País”.

[4]Escobar, Herton. “Brazil ‘doomsday’ scenario”. In: Science 27 Jan 2017: Vol. 355, Issue 6323, pp. 334

[5]Oswaldo-Cruz, Elisa & Soares, Thaís. “Cortes em ciência, tecnologia e inovação estão inviabilizando o futuro do País”. Site da Associação Brasileira de Ciências, com dados do Estadão/blog Imagine Só, de Herton Escobar.